26 abril, 2010

Sacolejo


Foi num dia bem qualquer que ela me perguntou como uma seta: “Amor muda?”. Primeiro fiquei surpresa com a intensidade da pergunta para tão pouca idade. Depois, levemente desconsertada pela pouca intimidade. Mas arrisquei. “Se nós mudamos a cada dia, a cada ano, a cada ciclo, creio que o amor deve mudar também”. Ela me estudou com seus olhos vivos. “Você já teve um amor que mudou não de tamanho, mas de forma?”. Aquilo estava ficando mais íntimo do que eu esperava.

“Sim”, respondi pensativa. Eu mesma nunca tinha me feito tais perguntas. Às vezes não pensamos em certas coisas pelo simples hábito de não pensar. Acomodamos todas elas no sofá e ligamos a TV.

As borboletas no estôbago algum dia param de bater suas asas. Lembrei-me de um livro que havia lido há pouco tempo. Uma das personagens, dessas bem a la Jane Austen, dizia que gostava de cuidar de sua casa e de seu marido. Que era feliz e se sentia protegida, o que mais podia querer?

Será que no fundo o que queremos é isso? Mesmo depois de tanta liberdade adquirita, novos ângulos e parâmetros, novos discursos?

Amar assim me pareceu mais um hábito.

Mas no final das contas o que queremos não é a tranquilidade de um amor? Não é isso o que realmente buscamos? Ele precisa passar pela resistência do tempo, soprado pela paciência, regado alimentado e fortificado para se tornar flexível e forte como o bambu.

A paixão, então, me pareceu fraca.

Ela continuou a tagarelar, mas eu já nem escutava. Já me havia perdido na bagunça que ela havia provocado.

Tive que retirar alguns pensamentos para lavar.

25 abril, 2010

Baseado em fatos irreais


Foi a nossa primeira e última dança, pelos meus cálculos. Algumas palavras ditas, nenhuma em tom de promessa. Nem deveria, éramos estranhos, corredor novo que se cruza abrindo passagem para lembranças.
Assim que me disse de si sem dizer muito de mim. Relatos de vida, alinhavando trabalho e antigos amores. Eu era toda ouvidos, derretendo-me diante de seus olhos de felino, mas a selvagem ali era eu.
Então fez aquele movimento de colocar o boné para trás de propósito. Não identifiquei se éramos somente desejo. Lacuna.

Dançamos. Jantamos.

Preferia arroz, feijão e fritas, e eu a servir strogonoff.
Vem aqui que eu quero sentir seus lábios com calda de pudim.

Dançamos novamente. Dessa vez mais livres. Preferi a primeira dança, confesso.

Jantar com gosto de começo e fim. Nunca tivemos o meio.

22 abril, 2010

Margem

Como ela conseguia? Aquilo me intrigava de uma forma a não me deixar acreditar nem pensar em nada mais.
Era ao outro que enganava ou a si mesma? Que sede era essa de viver que acabava com tudo de um só gole? Ceifava as perguntas que não cessavam.
Senti-me pequena, quebradiça, precária perante tais descobertas. Era uma atividade que ultrapassava o ético, o moral, o convencional. Derivava-se de uma coragem selvagem, percebia pelo cheiro, bicho que era.
Notei que o que me incomodava era o jeito como ela fazia parecer correto, o avesso. Não havia aprendido nada sobre descência?
Vivia sem pudores. A sua existência era visceral. Se alimentava do momento, dos instantes em que a vida parecia escorrer-lhe pelos dedos. Nessas ocasiões é que desvelava-se, deixava-se ver em sua totalidade de fera.
Naquele dia em que a encarei, senti uma curiosidade quase infantil em saber como havia nascido tamanha besta. Não que fosse ruim, mas havia um quê de nocivo naquela sinceridade toda que aflorava. Talvez fosse verdade demais para uma vida acimentada em portões. Ela era tada janelas.
Por alguns instates, sem mesmo ter a noção do que representava, quis ser como ela, quis aquela liberdade que deixava derramar. Aquele desbunde de vida. Sem receios, sem travas, sem fivelas.
Senti meu corpo vivo e passei a inquirir-me. A vontade era de sair correndo, cavalgando sem norte, deixando-me levar sem nenhum paradeiro, apenas para longe daquele ser que me fazia sentir uma fraude.

Pisquei.

Burlei a mim mesma, pensei. Não era a ninguém que traía, mas a mim mesma. Foi diante do espelho que me admiti. Eu era um dolo. Serpenteava entre minhas próprias trapaças e fazia delas meu alimento diário. Corroendo-me pelas lembranças que assombravam minhas entranhas a cada instante em que acreditava-me exata, pisquei.

Ela desapareceu.

Aquilo era rio profundo.

19 abril, 2010

A Descoberta

Não foi em nenhum dia especial, em nenhuma hora mais adequada que ela pensou, atônita, como quem chega em um beco sem saída. Refletiu sem dar-se conta de tamanha descoberta.

“A felicidade dele é chegar em casa, contar a ela como foi o seu dia, tomar um banho e jantar, delicadamente elogiando o que lhe foi preparado. Depois, assistir televisão para pegar no sono, e na cama, encontrar seus pés aquecidos”.

Isso era felicidade para ele. Tão pouco exigia da vida!
Tentou entender tamanha simplicidade, mas não conseguiu. Ela era dessas que queria. Uma busca infinda, sem estradas sinalizadas, apenas seguia.
Aquilo a incomodou profundamente. Aquela descoberta. Como lhe podia vir assim, tão sem precedentes? Era coisa de pensar menos.
Foi assim que ela inteirou-se de tamanha desmedida felicidade. Para quê mais? Lembrou-se de um poeminha que falava de casamento. Ah, a Adélia sabia das coisas!
E com aquela descoberta formigando no peito, foi preparar mais um jantar. Era noite de felicidade.

18 abril, 2010

"[...]Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga.[...]"

Mia Couto

17 abril, 2010

Eu preciso dizer que te amo...


Hoje pela manhã, entretida com os meus afazeres domésticos de final de semana, já tinha decido que ia ao cinema à tarde, quando pensei: “Poxa, eu podia chamar minha mãe...”. Acho que a última vez que fui ao cinema com ela foi para ver algum filme dos Trapalhões. Não faço idéia de quantos anos faz isso, mas sei que são muitos. E hoje eu consegui!

Estava saindo de casa e liguei:

Ela: Você não morre mais! Já ia te ligar. Quer ir ao cinema comigo?

O mundo então parou de repente...

Eu: Eu estava te ligando justamente para isso!

Só eu sei a vitória que isso representa!

05 de Junho de 2003

Eterno Viver (Meus devaneios em sala de aula)

Procurei não me importar, não sentir, não ser, não agir.
Não consegui.
Não me habituei a negar, a mentir, a não sorrir.
Busquei superar, ultrapassar, transceder.
Ninguém me ensinou a buscar, a correr, a gostar.
Mas eu falei, eu gritei, eu ouvi.
Como não esquecer, parar, voltar?
Eu segui, eu amei, eu chorei.
Não reclamei, não odiei, não sucumbi.
Alguém me disse como flutuar, como suspirar, como me habituar.
Algumas vezes eu escorreguei, levantei e me adiantei.
Fiquei sozinha, vazia, gelada.
Mas algo surgiu e aqueceu, derreteu, formou.
Em mares distantes eu naveguei, me afoguei, me salvei.
Olhando as estrelas eu aprendi a ler, a dormir, a sonhar.
E sonhando eu cresci, eu lutei, eu consegui.
E para viver eu fugi, eu roubei, eu menti... e me entristeci.
As lágrimas vieram, perfuraram, feriram.
Mas regaram a sabedoria, a alegria, a esperança de tempos vindouros.
E o meu jardim cresceu, floresceu, se renovou.
Serena ficou a minha alma.
Coloridos ficaram os meus olhos expostos ao Sol.
Mas um dia a névoa surgiu, sugou, quase matou.
E eu parti.
Eu me perdi em mim.
Vaguei, me envenenei, dormi.
Porém certo dia despertei, sorri e aprendi.
E tudo voltou, se renovou, se transformou.
Então prossegui amando, brincando, pulando.
Eu construí, plantei, colhi.
E assim formaram-se os dias, esculpiram-se as nuvens, surgiram os castelos.
Na estrada eu tropecei, me desequilibrei, identifiquei, parei, me entediei.
Resolvi novamente prosseguir, equilibrando-me entre o ser e o não-ser, entre o estar e o não-estar, entre o branco e o negro, entre o céu e o mar. E assim fui devorando a vida em meu eterno caminhar.

Postado originalmente às 7:53 PM de uma quinta-feira

Comentários:

Mingo, não entendi o seu comentário (risos). Sério mesmo! Que bom que você gostou, acho que estou voltando à velha forma! Você também deveria escrever..., faz bem para a alma! Lú, a dona da casa 05-06-2003 19:38:42

Minguinho vc tá ficando boa nisso, vc tem futuro garota! Adorei essa, pelo menos terminou bem né? Vc sabe do que estou falando, risos... Ana 05-06-2003 18:22:55

16 abril, 2010

Back up

Encontrei por acaso alguns textos do primeiro Caminho da Lua. Fiquei realmente surpresa em reler alguns deles. Tudo começou há 7 anos... Vou republicar alguns aqui para o meu deleite e para me redescobrir. Época da faculdade, 20 anos de idade... O tempo realmente passa.

Da mudança


Tenho sentido os dias serem atropelados ultimamente. Isso me faz ouvir, assustada, as cavalgadas da mudança em minha direção. Ando por aí desfrutando ao máximo dos pequenos prazeres que minha vida simples, e mais desafogada esse ano, tem me proporcionado.
Às vezes estou em determinado local e penso “quando voltarei a ver isso novamente?” ou “quando sentirei esse cheiro outra vez?”.
Mas é assim mesmo. Tenho percebido que a vida grita por mudanças, e essas sempre estão em nossos caminhos porque é da vida mesmo a transformação. São as Moiras tecendo, medindo e cortando o fio da vida.
Muitas vezes me pego chorosa, sem acreditar muito que um ciclo de minha vida está prestes a encerrer-se. Então, como muitas que sou, uma guerra fria se instala entre mim e outas.

Dias de exclamação, dias de interrogação... E lá vem mais um ponto parágrafo em minha história.

12 abril, 2010

O que habita em mim


Como é que sabemos se queremos a coisa certa? Ou se essa coisa realmente significa algo?
Às vezes eu quero o mundo por capricho. Quero porque quero e ponto. Então, eu me distraio um momento com a minha conquista e logo volto a batalhar por outras, a desbravar o mundo. Deve ser o meu lado infantil berrando em meus ouvidos sempre.
Mas o problema é identificar o que realmente é relevante, o fundamental, o essecial. Se não conseguimos distinguir isso, que importância o importante terá? Nenhuma. Será igual a todas as outras conquistas baratas. Muitas vezes nem tão baratas assim.
A vontade nem sempre anda de mãos dadas com a moral, com a verdade (qual?) ou o bom caminho. Ao contrário. Muitas vezes é o amoral que nos atrai, que desperta nossas intenções mais íntimas, que nos atrái à armadilha de nós mesmos. Então, como prisioneiros que nos tornamos, escravos de nossa vontade, estamos fadados ao exílio.
Como julgar as ações que são movidas pela vontade, pela simples vontade de algo, não importando se estamos ferindo ou incomodando alguém? E de outro lado, como freiar essa vontade e negar os nossos instintos mais selvagens?
Quanto mais cedo terreno à vontade, mais susceptível estou aos caprichos que ela me aponta. Ou serão os meus próprios?
Em mim habita uma fera que eu tento domar todos os dias.

11 abril, 2010

A cosmopolita Barcelona


Desde novinha, bem antes de pensar em ser professora de espanhol, meu sonho era conhecer Madrid. Hoje já nem me lembro bem o motivo. Era desejo de adolescente, desses bem bobos, sem muita explicação, mas cheios de significados. O tempo passou e eis que conheci não Madrid, mas Bercelona.
Não vou esquecer nunca a minha primeira impressão ao chegar àquele aeroporto imenso, cheio de pessoas de todas as partes do mundo, falando vários idiomas, com seus infinitos gestos. O aeroporto é tão grande que as pessoas se locomovem em esteiras, num imenso vai e vem.
E se eu achava que iria comer paella todos os dias, me enganei completamente. Assim como em achar que todos dançam flamenco! Como nos prendermos ao um esteriótipo de cultura! Impressionante! Eu sou brasileira e nem por isso sem sambar (não muito bem!), assim como o meu período em Buenos Aires me ensinou que nem todo argentino dança tango. E por aí vai!
Quando saí do aeroporto era noite e fazia um frio que já nem me lembrava que existia. Fui prestando atenção em tudo, nos edifícios enormes, nas cores, nos letreiros que afirmavam as grandes marcas mundiais. Uma infinidade de informações para tão curta estrada.
Meus dias em Barcelona foram regados por cultura! É impressionande a infinidade de história que aquela cidade abriga. Em suas ruas do centro, o bairro gótico tão movimentado, rodeado pelo que sobrou das muralhas romanas.
Cada dia era uma nova descoberta, de personagens, de curiosidades, de movimentos. Mas nada me tocou tanto como a Sagrada Família. De tudo o que eu vi, visitei, toquei, A Sagrada Família foi o auge. Uma construção surreal em eterna construção de um gênio da arquitetura: Gaudí.
Os 25 dias que passei nessa cidade não foram suficientes para descobrir os seus segredos. Completei as guias, os passeios turísticos, as rotas do Bus Turistic, mas ficou incompleto. Assim como o que aqui escrevo, porque é impossível esgotar a magnitude daquela cidade, de seus parques, praças, restaurantes, monumentos...
Foi uma viagem turística, um primeiro contato. Meu desafio agora é amar essa cidade.

Las elecciones


Fico realmente intrigada com o poder do amanhecer. O outro dia sempre traz consigo algo mágico: o recomeçar. Meus dias têm sido uma mescla de descobertas, angústias e escolhas. Essas últimas têm me tirado o sono.
Ao optar por algo, incluir em minha vida determinado caminho, autamaticamente excluo outras possibilidades que nunca saberei se são melhores ou piores. Acertar ou errar então vira uma questão de ponto de vista. Essas são as escolhas.
As angústias vêm acompanhadas um medo sorrateiro da injustiça, do “podar” determinada parte de mim em função de algo maior. Isso me lembra a história de Prometeu, o Titã, que em nome de algo maior, se submeteu ao castigo de Zeus.
Tudo bem, nada comparado a deixar que comam o meu fígado durante 30 anos, mas meus sacrifícios diários estão aí, aliás, os de todos nós.
E finalmente as descobertas... essas estão bem próximas. Em alguns meses minha vida mudará de acordo com minhas escolhas. Se para melhor ou pior, não sei, mas eu preciso enfrentar isso.
As escolhas estão diante de mim num ponto da estrada em que a vida grita por mudanças.